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Writer's pictureGabriel Toueg

Até quando vamos matar e morrer no nosso trânsito?

Texto de Gabriel Toueg publicado originalmente no ONDDA, com colaboração de Marcio Apolinário.

A noite do último domingo, 15, começou como qualquer noite de domingo para um casal já familiarizado com a vida de Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo. Depois de assistir a uma peça de teatro de um amigo, eles caminharam até um bar próximo de casa para celebrar. Sentaram-se numa das mesas na calçada.

Na mesma calçada o destino deles se cruzou com o de um homem que descia a rua Cardeal Arcoverde em alta velocidade, dirigindo alcoolizado e sem CNH um Corsa branco. Aparentemente participando de um racha, ele perdeu o controle do carro, subiu na calçada e atingiu o casal. Ela, de costas, ficou prensada entre o carro e a mesa. Ele, de lado, foi lançado para longe. O amigo ator, que estava com eles, também ficou ferido.

As tragédias costumam repetir uma rotina. Quando algo trágico ocorre, há em seguida um silêncio gritante e incômodo, enquanto as imagens continuam passando, confusas e em câmera lenta. É meu entendimento de caos. Depois, há a gritaria ininteligível, os flashes de acontecimentos que se embaralharão depois na memória, as luzes que se acendem e se apagam, as sirenes. Os dois e um outro homem ferido no acidente foram levados para hospitais da região. Em estado grave, a moça, Anariá Recchia, de 32 anos, ficou entre a vida e a morte durante várias horas no Hospital das Clínicas. Não resistiu e morreu no fim da tarde de segunda-feira, 16, depois de um grave sangramento e de sofrer duas paradas cardio-respiratórias.

A história já é velha conhecida de todos nós. A mistura de álcool e direção não dá certo. Nunca dá certo. Quem bebe, qualquer bebida, qualquer quantidade, perde a destreza e os reflexos que dirigir exige. Embriagados, somos fantoches do álcool conduzindo uma tonelada de ferro, plástico e vidro por caminhos incertos, cruzando o destino de pedestres, de outros motoristas e obstáculos como muros e postes. Embriagados, achamos que podemos tudo, achamos que somos indestrutíveis. Não somos.

Até quando vamos continuar matando e morrendo no trânsito? Os dados comprovam: segundo o Detran-SP, o número de motoristas flagrados pela Lei Seca entre janeiro e 15 de maio (mesmo dia do acidente na Cardeal Arcoverde) ultrapassou o registrado no mesmo período de 2014: 1.937 contra 1.821. No ano passado, houve 3.624 flagrantes desse tipo. São quase 4 mil pessoas flagradas (sem contar as que não foram) dirigindo com alguma quantidade de álcool no sangue. Isso é crime.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2013, quando tinha 81 milhões de veículos registrados, o Brasil teve mais de 41 mil mortes no trânsito, dando ao país a última posição em um ranking latino-americano de mortos por habitante (são 23,4 por 100 mil habitantes, um salto em relação a 2009, quando o número era de 19 por 100 mil).

A culpa é de todos nós Está na hora de pararmos de pensar que isso é o tipo de coisa que “só acontece com os outros”. Não é. Você ou eu podemos ser o próximo. Por isso e porque ninguém sai de casa para morrer no trânsito ou para virar um assassino, como bem lembra um post que está viralizando, precisamos tomar atitudes que não são de outro mundo, com usar táxi ou Uber (a vida é mais cara), fazer rodízio de “amigo da vez”, beber em casa ou perto de casa (e incentivar os amigos a usarem táxi para chegar), usar serviços que buscam você e seu carro etc.

É preciso ainda ter atitude firme quando um amigo bebeu e planeja dirigir, como esconder as chaves do carro dele (briga de bêbado é um porre, mas passa com a ressaca). É preciso que passemos a conversar sobre o assunto, lembrando exemplos de pessoas que foram vítimas do trânsito – lamentavelmente, todos temos algum triste exemplo para lembrar.

Além disso, como sociedade, precisamos agir de forma mais responsável. Está na hora de deixar de compartilhar a localização de comandos policiais, porque eles não existem para fabricar multas e sim para coibir pessoas que bebem e dirigem. Nesse ponto, é importante que a fiscalização seja rigorosa e a punição, severa, sempre. Está na hora de compartilhar a responsabilidade. No Japão, se um motorista é flagrado com álcool no sangue, ele e todos os ocupantes do carro vão presos.

Além dos amigos, os serviços de valet e de estacionamento e funcionários de bares e de casas noturnas também podem agir, com atitudes simples e decisivas como carimbar o bilhete de quem bebe. Está na hora, também, de deixarmos de agir de forma corrupta quando nossa CNH é cassada – a punição não serve para outra coisa senão para evitar que pessoas que dirigem perigosamente saiam das ruas. Ações como essa atuam na prevenção, que “é melhor que remediar”. É mais gente para decidir que um bêbado não dirija.

Faça sua parte. Não seja o próximo a matar ou a morrer no trânsito.

Foto de capa: simulação de acidente de trânsito (fonte: Educação para o Trânsito)

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