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Writer's pictureGabriel Toueg

Fazer jornalismo: a difícil decisão de publicar imagens "fortes"

Updated: Aug 28

É muito improvável, a esta altura, que você ainda não tenha visto a fotografia do menino sírio afogado nas águas de uma praia em Bodrum, na Turquia. Se ainda não viu, por favor tome um momento e olhe para ela.


Aylan Kurdi, menino sírio afogado em praia da Turquia (foto: AP)

Aylan Kurdi, menino refugiado sírio afogado em praia da Turquia (foto: Nilüfer Demir/AP)


A imagem do menino Aylan Kurdi, cuja família, de Kobane, na Síria, fugia do Estado Islâmico para chegar ao Canadá, percorreu o mundo mais rápido do que ele e serviu de alerta para a questão da crise migratória na Europa em meio a conflitos. A imagem, feita pela fotógrafa turca Nilüfer Demir, repercutiu também entre profissionais e veículos da imprensa internacional, que levou o tema para a discussão na sociedade.


O jornal britânico Independent questionou:

Se estas imagens com poder extraordinário de uma criança síria morta levada a uma praia não mudarem as atitudes da Europa com relação aos refugiados, o que é que mudará?

O Guardian disse que a imagem – parte de uma sequência chocante de fotos do menino – leva para as casas das pessoas “todo o horror da tragédia humana que vem acontecendo no litoral da Europa”. O Washington Post classificou a imagem de “o mais trágico símbolo da crise de refugiados do Mediterrâneo”. O Le Monde francês disse que e Europa será julgada pelos historiadores por suas ações, em um editorial contundente, cujo título é “Refugiados: uma foto para abrir os olhos”:

Nos livros de história, o capítulo sobre esse momento será aberto em uma imagem: a do corpo de um pequeno sírio, Aylan Kurdi, afogado, rejeitado pelo mar, em uma manhã sombria de setembro de 2015.

Uma difícil decisão. Nós, jornalistas, passamos por difíceis decisões quando nos deparamos com imagens "fortes", sensíveis como essa de Aylan. Publicar ou não? Vale o choque que vai provocar? É informação? Onde está a linha entre sensacionalismo e informação? Quão rígido deve ser o filtro ao escolher o que vai para as páginas do jornal, para a tela da TV ou para o portal? Embora algumas respostas pareçam óbvias, na prática não é bem assim.


Pessoalmente, tendo trabalhado como editor de Internacional/ Mundo no Estadão.com.br e no Metro Jornal, já passei por alguns momentos assim. Não são decisões fáceis. Não há resposta certa e fórmula pronta anotada em manuais de redação. Há discordância entre colegas, entre chefes e subordinados, entre a diretoria das empresas e a redação.


Sequência de fotos mosgtra policial caído no chão e terrorista apontando e disparando contra ele

Um dos casos recentes dos quais me recordo bem ocorreu em janeiro, quando fizemos, no Metro, a cobertura dos atentados em Paris contra a redação do Charlie Hebdo. Tivemos de decidir se deveríamos publicar – e como deveríamos publicar – as imagens de um policial francês sendo morto à queima-roupa pelos terroristas.


Optamos por imprimir as fotos da forma como reproduzi à esquerda (clique para ampliar).


Hoje, conversando com uma amiga francesa, mostrei as fotos da morte do policial em Paris. Na opinião dela, que me contou da angústia de viver esses acontecimentos de perto, a história poderia ser contada apenas com a imagem central, do terrorista disparando contra o oficial caído no chão.


Na época optamos por dar a sequência completa, que mostra o homem apelando para não ser morto. O vídeo completo, que decidimos não dar nem mesmo no portal, era muito mais chocante. Não é raro que jornalistas sejamos o filtro da sociedade de imagens e histórias sensíveis.


Kadafi morto. Em outra ocasião, no Estadão.com.br, durante a Primavera Árabe, tivemos uma discussão acalorada na redação sobre a decisão de publicar ou não as imagens do ex-ditador líbio Muamar Kadafi morto. Fui contrário à publicação, mas fui voto vencido o que é do jogo. As fotos do corpo de um Kadafi sodomizado por cidadãos líbios enfurecidos apareceu na home do portal de um dos maiores jornais brasileiros (bem como em vários outros ao redor do mundo – em muitos casos, é justamente o fato de uns publicarem que leva outros a seguirem o mesmo caminho).


No ano passado, quando o jornalista norte-americano James Foley foi degolado em um vídeo feito e espalhado pelo Estado Islâmico, tivemos de decidir como daríamos a história e a imagem. Optamos por um frame do vídeo, em que o terrorista aparecia de pé, de preto, ao lado de um Foley ajoelhado nos últimos segundos de vida vestindo uma roupa cor-de-laranja. Houve vários outros casos de decisões desse tipo.


No mesmo editorial do Le Monde de hoje, o jornal justifica a decisão de publicar, em sua primeira página, a foto do menino sírio. “O Le Monde já publicou fotos de crianças mortas, especialmente do ataque químico em um bairro de Damasco por soldados de Bashar al-Assad, em 2013. Sem voyeurismo, sem sensacionalismo. Mas (com) a vontade de capturar uma parte da realidade do momento”.


O UOL, que também estampou a foto em sua home, defendeu a decisão em um editorial: “A decisão de hoje não foi fácil. Além de jornalistas, somos pais, mães, filhos, tios. E as fotos nos comovem profundamente. Provavelmente seremos acusados de sensacionalismo e de busca por audiência fácil – quando o cenário mais provável é que a imagem espante as pessoas, em vez de atraí-las. Mas o jornalismo existe para informar. E palavras não descreveriam com a força necessária a dimensão da tragédia em curso na Europa e Oriente Médio. Não nos compete suavizar a realidade, mas sim retratá-la com precisão”.


Obrigado, Isis Ramirez, pela ajuda com o Le Monde!

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