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Writer's pictureGabriel Toueg

O Príncipe Verde – e o ceticismo no Oriente Médio

Updated: Jan 2

Mosab Hassan Yousef é o nome do filho de um dos fundadores do grupo palestino Hamas na Cisjordânia, o sheikh Hassan Yousef. Não teria nenhum significado especial se ele, o filho, não tivesse colaborado com o Shin Bet, o serviço secreto israelense, e depois escapado para os Estados Unidos, onde vive atualmente.


“Príncipe Verde” é o apelido que Joseph (o nome que Yousef adotou nos EUA, já convertido ao cristianismo) ganhou enquanto colaborava com Israel. “Príncipe”, por ser o filho de quem é. “Verde” por ser esta a cor da bandeira do Hamas (a da foto acima). A história de Yousef, o filho, ficou em segredo durante uma década e meia, desde sua captura em 1996, aos 18 anos, até que escolheu se afastar do Oriente Médio e viver nos EUA.


Recentemente, porém, ele decidiu contar a história no livro “Filho do Hamas: Um relato impressionante sobre terrorismo, traição, intrigas políticas e escolhas impensáveis”, que já tem versão em português, pela editora Sextante. Já nos primeiros capítulos do livro, ele conta como foi capturado e agredido.

E logo na abertura, pede perdão à família, que o considera um traidor:

Sei que o que fiz abriu outra ferida profunda e pode ser que ela não cicatrize nesta vida e que talvez vocês tenham de conviver com essa vergonha para sempre.

O nome dele circulou na imprensa israelense na época do lançamento do livro. Logo na abertura de um texto de Avi Issacharoff publicado em fevereiro passado na revista semanal do Haaretz, Yousef desabafa:

Gostaria de estar em Gaza agora. Eu vestiria o uniforme do Exército [israelense] e me juntaria às forças especiais de Israel para liberar [o soldado capturado] Gilad Shalit.

As declarações foram feitas a Issacharoff, correspondente do jornal para assuntos palestinos e árabes, a partir da Califórnia, onde o “Príncipe Verde” agora vive. Os dois já haviam se encontrado anos antes, quando o "filho do Hamas" ainda era muçulmano. Foi tema de outra reportagem no Haaretz, cuja história o Hamas se apressou a negar. Isso foi também antes do lançamento do livro, que agora traz revelações detalhadas sobre a colaboração entre Yousef e Israel. Sugiro a leitura.


O homem de Israel dentro do Hamas só 'queria salvar vidas'

A frase acima, que abre o texto no Haaretz, mostra que Yousef agiu por ideologia. Ele também afirma isso no livro, quando se pergunta, no prefácio: “Quantas pessoas reconhecem e compreendem o que fiz?” A resposta vem dele mesmo, em seguida: “Não muitas. Mas tudo bem. Eu acreditava no que fazia, e ainda acredito, e esse é o combustível que me incentiva a continuar nesta longa jornada. Cada gota de sangue inocente que foi poupada me dá esperança para seguir em frente até o último dia“.


De fato, algo de sangue foi poupado graças à atuação de Yousef. Durante o período no qual espionou para o Shin Bet, dezenas de atentados suicidas foram evitados e células terroristas do Hamas foram descobertas e desmanteladas. O trabalho dele como informante evitou que fossem adiante planos de assassinar líderes israelenses como o então chanceler Shimon Peres (atual presidente) e o líder espiritual do Shas, Ovadia Youssef.


Apelidado de “Capitão Loai”, o agente do Shin Bet que comandava as ações de Yousef o considera um “amigo próximo“. Os dois se encontraram também nos Estados Unidos e o israelense participou do processo para que Yousef conseguisse asilo político – que quase foi negado devido ao envolvimento que ele teve com o Hamas, grupo que Washington, assim como Israel, considera “terrorista”.


“Capitão Loai” aparentemente deixou o Shin Bet há quatro anos. Em uma entrevista também ao Haaretz, Gonen Ben-Itzhak, seu nome verdadeiro, revela: “Mosab não é mais um ‘agente’ ou uma ‘fonte’, mas um amigo. Se ele pudesse vir a Israel – e eu sei que ele não pode – ele seria como um membro da minha família“. No perfil de Ben-Itzhak no LinkedIn, ele não esconde que trabalhou, durante dez anos, para o Shin Bet. E a foto no perfil dele no Facebook é a capa do livro de Yousef.


O lançamento, contudo, não foi motivo de grandes alegrias para o palestino. Embora se orgulhe dos feitos e da história recheada de segredos, ele confessa em um blog que leva o mesmo nome do livro (que parece ser escrito por ele mesmo) seu sentimento:


Depois que ‘Filho do Hamas’ foi lançado, todos me diziam ‘Parabéns, parabéns’. Mas quero que vocês saibam que essa não foi a maior vitória na minha vida. Foi, e continua sendo, meu pior pesadelo. Sinto que estou morrendo por dentro. Qualquer outro autor comemora com sua família e amigos quando seu livro é publicado. [Mas] um dia antes do lançamento eu li nos jornais que minha família me havia desonrado. Embora eu saiba que eles precisavam fazê-lo, isso partiu meu coração. Por minha culpa, as pessoas que eu mais amo no mundo agora precisam viver como se o primeiro filho delas estivesse morto – e ainda pior, que morreu vergonhosa e desgraçadamente, como um infiel e traidor.

Li “Filho do Hamas” no último sábado, aproveitando a falta do que fazer – e a proibição de comer – durante o yom kipur. Terminei o livro com a esquisita sensação de que a paz está muito mais distante do que os maiores pessimistas conseguem acreditar. Apesar de algumas imprecisões no texto, e de declarações incorretas sobre o conflito, uso indevido de algumas terminologias, o “Príncipe Verde” deixa a mensagem que um acordo só vai ocorrer quando houver entendimento profundo de quem é o outro lado.


Nada parece mais distante.


Infelizmente, entendo, depois de seis anos aqui, que sonhar com isso é irreal, devido à intensidade do fundamentalismo dos dois lados. Do livro, ficou a sensação de que o conflito vai seguir nos trilhos dessa montanha-russa infinita, com altos e baixos, idas e vindas, ciclos de violência e tentativas de negociações. Tem sido assim há décadas. Os fatos mostram isso, nem é necessário fazer uma análise muito profunda. 


Estamos agora no ponto alto do mais alto looping da montanha-russa. Palestinos e israelenses se encontraram em Washington, se viram depois em Sharm el-Sheikh, no Egito, continuam conversando. Há ameaças de abortar as conversações, e há também propostas novas e renovadas. Mas falta esperança e sobra ceticismo.


O livro do filho do Islã que colaborou com o serviço secreto judeu e adotou o cristianismo ensinou que a queda do looping mais alto é mais dolorida. E que é tristemente ilusório esperar que judeus reconheçam, respeitem e aceitem a convivência com muçulmanos, e vice-versa.


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